Você vai mesmo ajudar a escravizar? Então 'aZara' esse idéia!

É quando a poeira começa a baixar que devemos realmente refletir sobre as polêmicas que nos atingem. E justamente por isso, esse post vem hoje, quando muito já foi dito e repercutido sobre o assunto.

Até onde vai a ganância humana? É o que estou me perguntando repeditamente desde a noite da última terça-feira, quando foi ao ar na TV Bandeirantes o programa A Liga, com denúncias envolvendo o trabalho escravo no Brasil. E como se a idéia já não fosse suficientemente ultrajante, ainda nos deparamos com a realidade de uma grande rede multinacional que usa seres humanos para produzir as roupas que estampam suas vitrines. E não uma rede qualquer, mas a espanhola Zara, grife tão cobiçada por tantas mulheres, tão popular na blogosfera.

Para quem não assistiu e/ou ficou por fora da polêmica no Twitter, o programa A Liga acompanhou o Ministério Público do Trabalho e Emprego (MTE) que fiscalizou oficinas de costura clandestinas que operam  em condições desumanas. Nelas, imigrantes costuram ininterruptamente peças para a Zara, que posteriormente são vendidas nos grandes shoppings Brasil afora.

Imigrantes trabalham em ambientes sem a mínima infra-estrutura para produzir as peças vendidas nas lojas Zara.

A maioria dos trabalhadores foi aliciada na Bolívia e Peru, países extremamente miseráveis. Aproveitando-se da vulnerabilidade de quem não tem nada, as tais empresas oferecem empregos no Brasil com remunerações que à princípio parecem atrativas. Apenas parecem. Vindo para cá, eles passariam a “ganhar” R$2 por peça costurada, o que poderia render até R$900 por mês, contra uma renda média de R$170 que a maioria deles conseguia em seu país de origem. Mas a promessa de uma vida melhor cai por terra assim que pisam em solo brasileiro. Todas as despesas da viagem são cobradas e eles chegam a trabalhar meses exclusivamente para quitar as dívidas que contraíram. Muitos “empregadores” ainda cobram a moradia e a alimentação, descontando indevidamente dívidas do salário (o chamado truck system). Nas oficinas, instalações elétricas precárias colocam em risco a vida dos trabalhadores. O perigo de incêndio é eminente e os extintores vazios. Após uma jornada de 15, às vezes 18 horas, homens, mulheres e até crianças sequer podem ter um chuveiro aquecido, isso porque os patrões querem poupar energia elétrica. Para deixar o local, eles precisam pedir permissão e ainda dizer onde vão e quando voltam. Uma situação humilhante, degradante e desumana. A escravidão do século XXI acontece bem ali, no coração de São Paulo. Pessoas fragilizadas por condições sociais miseráveis deixam seus países em busca de uma vida melhor e se deparam com uma realidade vergonhosa de desrespeito à vida.

Os alojamentos improvisados nas casas onde funcionam as confecções clandestinas são degradantes.

É possível que a Zara realmente não soubesse das condições reais daqueles trabalhadores? Sim, mas não provável. A multinacional contrata intermediárias no Brasil para que produzam suas roupas. Essas intermediárias, por sua vez, tem repassado a demanda para as oficinas clandestinas, que produzem rapidamente grandes quantidades por um baixo custo. Nada de carteira assinada ou encargos trabalhistas. No caso mostrado pelo programa a A Liga, duas intermediárias foram citadas, a Rhodes e a AHA. A última possui uma oficina própria com apenas 20 máquinas e 20 costureiras, mas alcançou a espantosa marca de 50 mil peças produzidas para a Zara em três meses. Será que a grande rede nunca fiscalizou o local de produção, nem que fosse pra fazer um controle de qualidade? E se fiscalizou, não achou estranho que apenas 20 costureiras fossem responsáveis por toda a demanda?  Além disso, informações dão conta de que essa é a terceira vez que são flagradas oficinas com trabalhadores em situação degradante costurando para a Zara. A notícia só teria vindo à tona na imprensa agora, para não atrapalhar os trabalhos do MTE. Vários documentos apreendidos indicam envolvimento direto da multinacional. É como eu disse: possível, mas pouco provável.

Detalhe dos produtos Zara encontrados durante a fiscalização, incluindo etiquetas e ordens de serviço.

Nesses dias, pude ver e ler todo o tipo de bizarrice  na internet. Análises que se focaram apenas no prejuízo à imagem da empresa, ignorando completamente a questão humanitária. Gente dizendo que todo mundo faz isso, que não vai deixar de comprar na Zara. Gente dizendo até mesmo que pouco se importa, pois “esses imigrantes pobres têm o que merecem”. Fiquei indignada, decepcinada  e envergonhada com o egoísmo que encontramos por aí. Será que é difícil enxergar que vidas humanas estão sendo destruídas para que nós possamos vestir uma roupa da moda?

E após revirar toda a sujeira, suspeitas da mesma prática rondam outras 20 grifes nacionais e internacionais, segundo o Ministério Público. Como as investigações correm em sigilo, os nomes não foram divulgados, mas pode-se prever muito mais podridão vindo por aí. É bom lembrar que entre os investigados possivelmente estão a C&A, Marisa, Pernambucanas, Sete Sete Cinco e Collins, como mostrou essa matéria da revista Exame.

Gostar de moda e maquiagem e ser consumidora desse tipo de produto não nos torna pessoas fúteis. A futilidade, a pequeneza da alma, está em ignorar valores maiores para adquirir algo que lhe dará prazer. Assim como comprar peças feitas com pele de raposa, como no caso da Arezzo (sobre o qual falei aqui),  ou não se importar se uma determinada marca de cosméticos testa seus produtos em animais. Da mesma forma, ignorar a degradação do ser humano para a produção de “fast fashion” reflete no mínimo insensibilidade, para não dizer coisas piores. 

Não compactuo com essa idéia comodista e derrotista de que “se todos fazem não é responsabilidade minha” ou que minha postura não fará diferença. E mesmo que doa em muita gente, para mim, quem compra um produto sabendo que ele foi feito com trabalho escravo é tão medíocre e desumano quanto quem escraviza.

Se muitas empresas estão sob investigação acusadas do mesmo crime, talvez a Zara deva sim servir de exemplo para as outras. Se cada consumidor se mostrar indignado e boicotar a marca, o prejuízo pode gerar uma reflexão futura sobre esse tipo de busca cega pelo lucro. Grandes grupos vão pensar duas vezes antes de arriscar o pescoço, mesmo que não seja por consciência (que quem contrata já provou não ter), mas por medo de perder dinheiro.

Por isso faço um apelo para quem tem o menor respeito pela vida humana: não compre de quem escraviza. Você vai passar diante de uma vitrine, vai se sentir tentada, mas resista. Seja melhor, seja mais forte. Independentemente da sua crença religiosa, tenha consciência que somos responsáveis por todos os nossos atos e nossas atitudes de hoje determinam como será nossa vida amanhã. É como o usuário de drogas que alimenta o tráfico ou o receptor que torna possível o roubo. O consumidor descompromissado com a realidade, colabora com a escravidão. Daqui para frente, ciente dos fatos, a responsabilidade é nossa sim.

Afinal, pense você também: não será que o Diabo veste Zara?

17 comentários:

Ana Lu Fragoso | Blog Oxente Menina disse...

Excelente texto, muito bem colocado. Eu fui chamada de radical pq disse q até qdo me lembrar desses acontecimentos não compro mais na Zara, e quem me conhece sabe que qdo eu falo isso não é da boca pra fora.
Sei que o caso da Zara não é único, e que muita gente sofre com a precariedade das condições de trabalho oferecidas, mas esse foi o caso que veio à tona, então no q o concerne, eu farei a minha parte não mais comprando nessa loja. Vai mudar alguma coisa pra eles? Provavelmente não, mas fico com a consciência tranquila de não ser eu a incentivar os erros dos outros.

disse...

Que texto maravilhoso! Concordo com tudo que você escreveu em gênero, número e grau. Incrível a gente ver isso em pleno século XXI.

ESCRAVIDÃO NÃO!

Vanessa - Anyway... disse...

Ana Lú, acho que a grande questão é essa. Também não conseguiria comprar uma peça da Zara a partir de agora, tendo certeza das condições de trabalho dessas pessoas. Se cada pessoa com consciência fizer o mesmo, alguma coisa muda sim. Não é questão de radicalismo e sim de consciência social. Bjos

Vanessa - Anyway... disse...

Gé, muito triste ver um retrocesso tão grande! A gente tem mesmo que dar um basta.
Bjos

Marilia disse...

Meninas, vcs duas estão certas! Se a gente não acaba com eles, como consumidoras, eles continuam fazendo esse tipo de absurdo!

A revolta é a saída e deixar de consumir é muito melhor.

Aninha disse...

Perfeito o seu texto e ao mesmo tempo muito triste.Pensar que nos dias de hoje existe pessoas que são usados como escravos e pior ainda quem acha que isso tudo é super norma. Essas pessoas são mais pobres do que as que fora escravisadas,são pobres de espírito. bjs

Vivi Tassi disse...

Van, andei lendo umas reportagens ontem e parece que estão investigando não 20, mas 36 grifes entre grandes varejistas como C&A e Marisa até algumas lojas localizadas no Brás. Infelizmente o ser humano não vale nada, pra muita gente viu. Algumas pessoas só enxergam cifras e dizer que os pobres imigrantes tem o que merecem é no mínimo um comportamento repugnante.
Eu nunca comprei na Zara, entrei uma vez e achei os preços exorbitantes e agora sei o quanto os próprios consumidores são enganados.
Sabe, as vezes as novelas nos mostram um tipo de ser humano que acreditamos piamente não existir na vida real, e quando nos deparamos com uma realidade dessas, percebemos que novela e vida real se confundem completamente.
Triste viu, muito triste, e as pessoas ainda ficam especulando quando será o fim do mundo... ninguém percebe que já estamos vivendo isso???

Lucia Souza disse...

Vanessa,
nem quando a Zara faz "Sale" eu tenho dinheiro para comprar.
Então faço fileira com você.
"Não a Zara"
Adorei o post.
Beijos

Vanessa - Anyway... disse...

Marília, a nossa atitude é mesmo fundamental! Não dá pra ver e não agir.

Ana, eu também custo a acreditar que um ser humano seja capaz de fazer isso com o outro por causa de dinheiro. Triste é pouco. Mas ainda bem que muita gente ainda se revolta. Sinal de que ainda há saída!

Vivi (Das Mariazinhas, já pulou pra 36, foi? Nossa, ainda vem chumbo grosso por aí. Que coisa mais triste, meu Deus. Quanta gente sofrendo para essas empresas lucrarem mais?! Realmente, a energia gasta para o mal nos deixa perplexas. Concordo que o fim do mundo já está acontecendo.

Lúcia, os preços são absurdos enquanto uma peça custa R$7 na oficina clandestina. Mesmo tivéssemos todo o dinheiro do mundo, não dá pra compactuar com esse crime! É isso mesmo, "não a Zara" e à quem mais escraviza.

Bjos

Vanessa disse...

É tão bom ler textos sensatos de vez em quando! Comentei essa notícia com pessoas que eu achava esclarecidas pra ver o que elas achavam, elas simplesmente me acharam ignorante ("Como assim você não sabia??? To-das as marcas fazem isso") e dizeram que nada muda pra elas, afinal, todo mundo faz. Então é assim, generaliza todo mundo num saco e aí sai consumindo trabalho de exploração humana sem peso na consciência, porque são "todas" iguais?
Eu acho que se eu não tenho provas contra, por enquanto a empresa é inocente e consumo sem peso na consciência, agora se a culpa já é mais do que comprovada, qual a justificativa para fechar os olhos?
Também tem muita gente defendendo ferozmente a Zara sem nem ver direito os detalhes das matérias a respeito. Por exemplo, entre tantas barbaridades, li gente falando que quando tinha 12 anos trabalhava em casa para ajudar a sustentar a família e não se sentia explorada, se divertia e vivia bem, então acha injusto dizer que que esses adolescentes encontrados nas confecções clandestinos eram explorados.

E me desanima constatar que nos blogs de moda e beleza mais pessoas tenham divulgado a cor do batom que a Glória Pires usou na novela do que um caso como esse da Zara.

Unknown disse...

Eu penso exatamente assim : comprando lá, estarei sendo conivente.
Não compro mesmo !
Ótimo post !

Bjs

Ale Lima

Espeloteada e Patricinha disse...

Amei o post! Olha, nunca comprei na Zara (não tem por aqui), mas comprava muito na Pernambucanas até que veio a tona um caso bem parecido. A decepção é enorme.
No twitter eu vi alguém falando q n ia deixar de comprar na Zara, q era comum e consequência do ritmo q a moda exige, fiquei horrorizada, mas em seguida li outro que dizia que dizer q o ritmo da moda é responsável por essa escravização é a mesma coisa q dizer que os escravos no campo são culpa da lavoura de arroz e retwittei. É horrível saber que alguém faz isso, é horrível saber que alguém não se importa, mas pelo menos sabemos que há quem se importe e eu creio (quero crer) são a maioria, não podemos perder a consciência de que isso é errado e tem que ser coibido, não é uma questão de religião, é uma questão de humanidade

Unknown disse...

Oiê, aqui é a Mari Silva, do TCM. Excelente raciocínio, parabéns. Ontem estive no Rio SUl e vi um casal passeando com uma sacola da Zara. Me deu uma ovntade de abordá-los, perguntar se sabiam do caso... me deu mais vontade ainda de perguntar para as autoridades competentes por que a Zara ainda está aberta, por que as peças não foram todas confiscadas, pois como saber qual foi produzida dentro da lei e qual foi feita em condições análogas à escravidão? POr que quando é pra fechar o camelódromo, vai todo mundo, chamam os jornais, gritam-se palavras de ordem pelo fim da pirataria, os comerciantes precisam entregar seus produtos e amargar o preju. Mas quando a peça é produzida na escravidão, aí, pode, aí a gente espera o fi do inquérito e, enquanto isso, a vitrine da Zara (e de todas as outras marcas que já viveram esse tipo de denúncia) fica lá, linda, toda trabalhada na coleção outono-inverno. É... Tô quase indo lá devolver minhas roupas da Zara. Motivo: falha da produção. Enfim... E depois a gente ainda tem que ouvir que somos radicais.

Jeanne Laísa disse...

Nunca mais comprei na Arezzo, sinto até asco quando passo em frente às lojas, e não estou 'fazendo drama', sinto nojo mesmo! A política da empresa então? A grosseria com que tratou seus clientes dando uma resposta ácida e irônica?!
Eu sempre comprava roupas para meu filho na Zara, mas agora o verbo vai ficar mesmo no pretérito. Me chamem de radical, sei que sozinha sou apenas um, mas com vocês podemos sim balançar as estruturas da empresa. Creio que se não começarmos a dar os pequenos passos, continuaremos contribuindo para esta corja de impunidade e falta de respeito à humanidade. Fora Zara!

Parabéns pelo texto "Tatarigo" ^^
Beijos.

Vanessa - Anyway... disse...

Vanessa, essa reação alienada das pessoas é o que mais me espanta. Uma pena a maioria dos blogs ter ignorado o assunto. A verdade é que ninguém quer se envolver para não ter q parar de comprar a caça bonitinha e da moda. Triste, mas é verdade.

Alê Lima, pessoas que pensam como você fazem a diferença. Não dá pra ser conivente.

Fran, apesar dos absurdo, ainda tem gente que se importa com o ser humano. E é isso que nos dá esperança de situações como essa podem gerar reflexões profundas na sociedade.

Mari Silva, eu não tinha pensado nisso dos camelódromos, mas você está certíssima. Infelizmente, ladrão de galinha é que vai pra cadeia. E só comerciante sem recurso tem mercadoria apreendida. Um aburdo completooo! E prefiro ser chamada de radical do que ser uma alienada consumista!

Beijos

Cartaz Amarelo disse...

Oi Talarico...
Fiquei indignada com essa situação. É um absurdo e inconcebível que esse tipo de coisa continue acontecendo a essa altura da nossa "civilização", concordo com vc aloka, a gente não pode se isentar de responsabilidade diante de algo tão grave. A partir do momento q isso se torna público alguma coisa tem q ser feita. E o boicote tem q ser apenas o começo da mudança.

Bjus

VERÔNICA disse...

Eu também fiz um post na semana passada http://brechoparaquemechic.blogspot.com/2011/08/zara-acusada-de-lucrar-com-mao-de-obra.html
é claro, que não tão eloqüente rsrsrsr mas o meu objetivo foi de divulgar e indicar onde obter maiores informações sobre o caso. Também não compro nas Pernambucanas e na Marisa por motivos parecidos e na Arezzo por causa do caso com os animais... a Zara também não verá meu dindin tão cedo!

bjs